sábado, 3 de abril de 2010

MINHA POESIA BÊBADA E SEM DESTINO-Maria José Limeira



01.01.05


MINHA POESIA BÊBADA E SEM DESTINO

Maria José Limeira



Minha poesia é sem rima, não tem pé nem cabeça.

Imagino-a tropeçando por aí pela rua, bêbada e sem destino.

Se não tem cabeça, não é poesia. É mula de padre.

Mas, o que pode o padre fazer com uma mula assim?

Não tendo cabeça, não tem olhos.

Sendo assim, não pode enxergar o caminho.

É animal imprestável, portanto.

Mula, padre, poesia, destino, caminho...

O que tudo isto tem a ver comigo, a não ser que estou sozinha?

Estar sozinha é como perder todos os elos.

Ninguém tem razão para escolher a solidão, como eu fiz.

A mesa, onde apoio os braços, é, talvez, o maior exemplo de quem pode sobreviver sem o mínimo que seja.

Mesa já foi árvore derrubada, cujos troncos mutilados boiaram sobre as águas do rio, e se

deslocaram na direção da cidade, por entre ruídos de serras elétricas e homens insensatos.

Em seguida, como produto inacabado, foi carpintaria, roupa de pintura nova, vitrine de loja e descanso no meio da sala. Essa movimentação envolveu gente, trabalho, histórias e sonhos.

No meio da sala, agora, no entanto, é espectro calado.

Minha poesia é assim: bêbada, sem olhos, tateando na sombra, padre sem cabeça, mula sem padre ou mesa arte-final.

Minha poesia, sorumbática e calada, é animal imprestável, que não enxerga o caminho.

Meu texto é cansado, vítima da asma colérica, e sofre de ansiedade.

Ah, como eu admiro os grandes escritores, cujos poemas narram as voltas das borboletas em torno do mel das flores!

Eu queria dar luz à minha poesia, para que vibrasse, como o sino da matriz em dia de festa.

Queria uma poesia azul e branca, como o céu do Nordeste.

Que minha poesia cantasse a vida e encontrasse o amor.

E que esse amor fosse alegria, e não danação.

Em vez disso, quando os braços se apóiam sobre a mesa para escrever, vêm-me à lembrança o soturno céu da minha infância, o exílio em que mergulhei para escapar da dor, o primeiro amor de cuja perda nunca me recuperei, a casa de onde fui despejada, as separações que a vida me impôs, e todo o resto que me escapa e amarga.

Minha poesia é meio louca.

Parece a cabeça da mula que o padre perdeu.

Por isso sou sem destino, tristeza, solidão, árvore mutilada, cadáver insepulto, espectro de mim, sombra encostada nos muros ao sol, e fantasma no meio da noite.

Minha poesia nunca amanhece...



(Do livro “Crônicas do amanhecer”)

Maria José Limeira é escritora e doce jornalista democrática de João Pessoa-PB

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