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Um soneto de João Justiniano e minha crônica domingueira.
Clevane Pessoa de Araújo Lopes
Acordo, domingueira, lá fora a umidade da madrugada chuvosa.
Cuido de mim, de tudo que é vivo aos meus cuidados: o cãozinho Lucky, as plantas, nos beirais, alimento para os pardais, as rolinhas.
E, no meu "hospital de plantas" - uma bancada onde deixo vasos com verdinhas que precisam recuperar a cor, galhos a serem entalados entre paus de fósforos, de adubação, etc -coloco um pedacinho de bolo. As formiguinhas em breve, descobrem os farelos ... Assisto aos preparativos: procissão ou combate? Desfile militar ou caminhada de pigmeus? O tatalar das asas de um beija-flor faz-me erguer os olhos. Ele bebe néctar das corolas das flores rosa-pêssego dos dedinhos-de-diabo, muito crescidas, que catei nuns degraus, mirrados e sujos de poeira... Outro aparece e os escorraça. As lindas e pequenas aves são belicosas, defendem território.
Corto um galhinho de hortelã. Velho cheiro conhecido... Encano um galho quebrado pelo gatinho noturno que não conheço: dois paus-de-fósforo, durex. O sol aparece tímido. Venho escrever...
Abro o PC. Delasnieve Daspet, Embaixadora de Poetas Del Mundo, envia um soneto do João Justiniano. Aliás, eu só soube que era soneto, quando o colei aqui, pois no corpo do e-mail, desconfigurado, conforme muitas vezes ocorre, ele veio longíneo, qual um adolescente quase palavra abaixo de palavra.
Li e achei muito interessante. Claro, tudo que fala de asas (os leitores sabem que asas, água e lua são recorrentes em meus poemas - desde que eu era menina ) merece minha atenção. Mas há algo mais: há tempos, por ser psicóloga e também intuir, quais todas as mulheres, as histórias que se somam e subtraem na Internet.
Muitos amores e até paixões surgem. A amizade e a solidariedade florescem. Entre pessoas há quem já jamais se viu, sentiu o cheiro, beijou a mão, a boca, ou segurou nos braços o objeto de desejo. Muitos fazem amor apenas com a força cabalística da palavra. Com o imaginário alado e criativo. Muitos até se dizem Poetas, embora não o sejam, muitas vezes lançando borrifos sobre uma boa prosa, porque passam a escrever versos. Montadores de vocábulos, rimas, formas.De vez em quando, produzem algo de maior valia. E, no meio da cascata dos Poetas verdadeiros, quem não aprenderia? Mas por que querem falar em versos? Ora, porque a Poesia é a língua dos apaixonados, que sempre buscam inovar-se, recriar-se e recriar o outro. É a língua dos anjos. A dos espiritualistas, dos crentes,dos místicos, dos mágicos e das feiticeiras. O próprio conceito de Deus exige um esforço poético.
E o interessante na Internet, é sua mágica, ou mesmo sua magia: quem explica de onde vem esse poder que se passa a ter? Idade torna-se dado secundário, às vezes, até omitido. (O poeta João Justiniano, abaixo, quando fala de forma universal, generalizada e indireta sobre as relações do ser - dele próprio também - com o espaço de ser, escreve: "o tempo não me importa, nem a idade"). E esse é o grande atrativo do espaço cibernético. Nele, as pessoas são. Gênero, raça, idade, tornam-se fatores secundários num relacionamento.
Profissionais estressados podem se dizer surfistas.Trilheiros podem se informar doutores. Talvez formados pela Vida - Universidade completa. Impotentes,deficientes podem viver sua maior potência e eficiência, que é a mental ,E fazer amor conforme fazem os que sabem.
O imaginário é tão amplo, que é mesmo imensurável: sem limites, sem limitações.
É evidente, se tantos precisam de máscaras e muitas personas, muitas vezes divididos porque desejam multiplicar-se, há os que são, embora impalpáveis no sentido físico, verdadeiros, eles mesmos: pessoas que, muitas vezes, experienciam, pela primeira vez, o direito de expressão. Donas de casa ousam. Velhos provedores de casamentos falidos abrem outras comportas e passam a suprir-se. E a suprir quem está do lado de lá. E a pessoa que excita, esquece que... O fruto da excitação será, provavelmente, usado para a pessoa que dorme ao lado de quem se excitou. Mas sonhar é preciso!
Há uma onda de adultério não caracterizado legalmente, que pode beijar as areias de praias na amorosidade incondicional, mas também podem provocar Tsunamis - e trazê-las qual uma catástrofe. Uma paciente minha queixou-se: "Encontrei o fulano escrevendo um e-mail picante e com uma bruta ereção. Depois, decerto, ia se masturbar. E comigo, sua esposa, do lado". Chorava a ponto de sufocar-se. ...
Pela telinha, há, na maioria das vezes, a certeza de que pecado não existe. E soltam asas. Alados, voam um até ao outro. E dentro desse enfoque de solidão, já há a traição internética: "Ela( ele?), se correspondia, usando o mesmo nick (ou com nicks vários!), com muita gente e eu já estava apaixonado (a)". Parece gravíssimo, ao traído. Qual uma lésbica cuja companheira engravida de um homem, evidentemente sente-se traída de forma especial. Ou seja, a lógica da filosofia de vida dos internautas, é: "lá fora, na vida real, somos assim e assado. Aqui, na virtual, somos um para o outro". Há os que se entregam, qual a uma profissão de fé.
Todas as pessoas se sentem um pouco donas de seus companheiros. Donde a liberdade a dois é uma necessidade, mas quase um mito. Postergar-se ao outro o ser feliz. Somente a pessoa a quem amo, pode conceder-me a felicidade, e isso, é um engano, um erro cultural antiqüíssimo, para quase todos os povos.
Existe uma nova moral, inegável, após o advento da Internet. Se antes as fantasias eram extrapoladas ao travesseiro, no banheiro, inconfessáveis, agora, em frente à telinha, "tudo pode". A fantasia atingiu o terreno do possível.
E, notem bem, não falo aqui de atos pornográficos, pedofilia, nada hediondo. Apenas de almas normais e sequiosas de atenção. Apenas o erotismo se desenroscando do ser, onde fora subjugado por convenções: a serpente Kundalini, dormitava na base da espinha e, em frente ao computador, desenrola-se, sobe pela coluna vertebral do Internauta e até dança ao som da amorosidade que cria músicas hipnóticas vivas e/ou próprias. Não a serpente bíblica, que induz ao pecado. Não há pecado abaixo do Equador? Não há pecados na Internet! Pelo menos, não oficialmente. Então, a maioria, transige. O que? Depende do que quer ou pensa ou faz. Ou escreve, claro.
Uma de minhas pacientes me dizia que tomava banho, se vestia e penteava - quiçá, perfumava-se - para falar com o namorado. Pela Internet, entre bytes... O encontro marcado certo. E enquanto o marido bruto dormia. E isso, sem contar que, do outro lado, o "amante" - aquele que ama - talvez estivesse de cuecas, embriagado, ou precisando de banho. ..
Muitas vezes, a energia flui de tal forma que muitos atravessam oceanos para conhecerem as musas inspiradoras, as mulheres românticas e sensuais com quem se correspondem. Os homens viris e sedutores. Às vezes, há decepções. Uma de minhas alunas da Oficina de Contos, no CCSB (*), contava-me que um rapaz de família simples, recebeu da correspondente, as passagens, e atravessou o país para conhecê-la. Ela usara recursos de fotoshop e pareceu-lhe ao ver de perto a mulher,muito mais velha que ele. Se nos e-mails, MSN, ou antes, o ICQ, o rosto é um, ao vivo, poderá ser outro. Restou-lhe apenas a voz dela, a amargura de ter sido ludibriado, despistada com muitos passeios e carinhos. Voltou deprimido, amargurado.
Mas há os que se apresentam quais realmente são. E se apaixonam, se entregam, se buscam. E se casam. Conheço pelo menos três casais muito bem casados, a partir da realidade que buscavam e encontraram. Fugir da monotonia. Não obedecer a regras. Libertar-se. Ser.
Daqui a uns tempos, haverá Leis referentes a "trair sem sair de casa", "trair por e-mail", falsidade ideológica essencialmente virtual, etc. Pois assuntos de tais golpes dados em mulheres frágeis, já acontecem fora da telinha.
A "dura Lex, sed Lex" (**), basear-se-á nas mesmas normas, mas com setas específicas para internautas. E quando se tratar desse tipo de violência contra a mulher, ela será específica: enganada virtualmente. Chantageada pelo internauta de nick tal... E por aí vai...
Mas, depois desse parênteses, retorno ao soneto de João Justiniano,que trata da sensação de paz e liberdade que se experiencia em frente ao computador. Da liberdade plena ("aqui, eu sonho e gozo", atesta-se o sonetista). De reviver os tempos da juventude ("o ardor da novidade', "em pleno reverdor").
E nesse redescobrir-se, ele, que no primeiro verso do primeiro quarteto, afirma que o paraíso está dentro de sua própria casa, depois reconhece mais, esse poeta alado: "Sou eu o paraíso".
Adorei, pois ritmo e precisão, João Justiniano nos mostra que a forma mais bela e simples de encontrar a felicidade, é encontrar-se. O paraíso existe e está dentro de nós mesmo!
Clevane Pessoa de Araújo Lopes
(*)CCSB:Centro Cultural São Bernardo, em Belo Horizonte.
Obs:Parte desse texto, encontra-se no miolo de meu livro "Erotíssima",a prosa sobre
a nova amorosidade feixada em "Drops, Ops".
O livro foi lançado na Bienal do livro no Rio, em 2009.
Pedidos para clevanepax@gmil.com
Alguns poemetos:
Minha Alma ,amante, amada...
Clevabne Pessoa de Araújo Lopes
Minha alma ,agitada calma,
conformada e guerreira,
ambivalente mas resiliente.
Ave de asas largas,
a deliciar-se nas alturas,
buscar pousos insuspeitos,
muito frágil na sua fortaleza,
muito forte, em sua fragilidade.
Minha alma :orgulhosa, simples,
diferente entre iguais,igual entre os diferentes
faz-me sofrer - mas ela própria, cura-me!
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Poema da Amizade
Clevane Pessoa de Araújo Lopes
A amizade tem sutilezas de vitral:
técnicas e arte,unidas à luminosidade do sol,
filtrada em harmonia,perfeita integração.
A amizade tem sutilezas de cristal:
sete cores decompostas de um branco primário.
Faz-se das artimanhas do coração
explica-se sem nenhuma explicação
e deve durar sempiternamente,
porque quando se acaba...amizade não é, não!
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haikais de gatinhos desiguais
Haruko(*)
Formas animadas
lutam boxe de carinhos:
pequenos gatinhos...
Bichano pequeno
um móbile de lã-pluma
com garras afiadas ...
Pêlos arrepiados
nos arreganha sua boca:
caverna rosada...
Gato aquece sonhos
perto do fogão de lenha
-um verão no inverno...
Gato preto em neve
faz-me salivar lembranças:
ameixa em manjar...
(*)Haruko:primavera em japonês, meu pseudônimo para haikais.
Clevane Pessoa de Araújo Lopes
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